terça-feira, 29 de maio de 2018

Minha parte


 Minha parte

 

Fui assistir ao filme “O Processo”.

Diferentemente de outras vezes, não vou, aqui, elaborar uma crítica cinematográfica, nem mesmo analisar os conteúdos do filme, que, geralmente em grande parte implícitos,  ali ressaltam explicitamente. Cada close é uma revelação, para quem sabe e quer enxergar.

Tanto tempo sem escrever, no entanto, volto ao blog para, aproveitando as emoções que brotaram em mim, enquanto assistia e relembrava aqueles momentos históricos,  compartilhar e refletir sobre nosso país e nosso povo.

Chamo de povo a todos. Mesmo àqueles com quem não me identifico nada. Mesmo àqueles que têm horror de pertencer a esse grupo. Somos, todos nós, o povo desse país.

Não votei na Dilma, já declarei inúmeras vezes. Nunca fui filiada a nenhum partido político, nem pretendo ser. No entanto, tendo passado anos sem votar, quando voltei a fazê-lo foi para votar no Lula. Vê-lo eleito Presidente encheu minha alma de alegria e esperança de ver nascer um país mais justo!

No dia de sua posse, lembro-me bem, enquanto assistia à cerimônia e às comemorações, fui reorganizando minha papelada, livrando-me de velhas agendas, atualizando minhas anotações e contas, como se, também eu, fosse começar um novo governo em minha própria vida.

E nunca me arrependi de ter votada em Lula, nas duas ocasiões em que se elegeu. Mesmo tendo me decepcionado com atitudes suas, distantes de minhas expectativas, aprendi, pouco a pouco a perceber que, além de ser grande líder, um grande articulador, uma criatura especialmente brilhante, ele era, antes de tudo, um ser humano e, como tal, falível.

Segui acompanhando o que aconteceu em seu primeiro governo, contabilizei erros e acertos, percebendo o imenso avanço social que o país alcançou. Para mim essa era a meta mais importante. E ia sendo conquistada. Valeu, portanto!

Nunca me interessei em saber se Lula bebia cachaça ou champanhe. Sim, preocupei-me com sua saúde, desde que, às vésperas da eleição, ele andava rodava o país, comendo amendoins nas viagens aéreas, e virando noites, em fim de campanha. Torci muito para que dona Marisa cumprisse sua promessa de regular o cardápio e os hábitos alimentares do marido. Por ele, sim, mas principalmente pela missão gigantesca que ele abraçara, ao conquistar a Presidência do Brasil.

Jamais me ocupei em saber se a Primeira Dama era elegante ou não. Se fez plástica, se falava ou não falava vários idiomas. Tivéramos Primeiras Damas elegantes e letradas, que nem por isso se saíram tão bem na difícil função que ocuparam, por dever.

Olhando pra trás, lembrava-me de um certo presidente atlético, louro e de família de classe alta, que defendia o combate à corrupção e que, uma vez empossado, deu a volta no país, meteu-se em escândalos que envolveram crimes insolúveis e destruiu nossa imagem no exterior.

Lula, ao contrário, mesmo nunca tendo feito um curso universitário, foi reconhecido pela comunidade acadêmica internacional, recebendo títulos de doutor, por seu trabalho em prol dos mais pobres, por sua  luta incansável contra a miséria e por ter conseguido equiparar o Brasil aos países “fortes” economicamente.

Não tenho dúvida de que se Lula não conseguiu manter o apoio dos grupos mais poderosos, não foi pelos erros que cometeu. Foi por aquilo que deu certo. E, é importante ressaltar,  temos uma sociedade escravagista que, aparentemente generosa, é até capaz de investir no filho do escravo, desde que ele não queira se igualar ao sinhozinho e continue a servi-lo pelo resto da vida, de preferência sem se queixar.

Lula foi a Geni da música do Chico. Serviu enquanto precisavam dele como símbolo. Depois passou a ser apedrejado, impiedosamente.

A elite pensava que acabaria com a festa de operários no poder ao cabo de 4 anos, mas Lula se reelegeu e, mais ainda, findo seu segundo mandato, conseguiu a façanha de fazer a primeira presidenta desse país. Dilma se elegeu, carregada por ele, ninguém tem dúvida, mas, com seu estilo próprio, com outras qualidades e defeitos diferentes, conseguiu chegar ao final do primeiro mandato.

Isso, para os poderosos, tornou-se quase insultante. Uma mulher que nunca fez questão de parecer simpática, que não representou,  em nenhum momento, o papel da mulherzinha, nem mesmo quando ficou gravemente doente, passou a ser vista como um escárnio, por aqueles que tentaram competir com ela na campanha pelo segundo mandato e pelo os que apoiaram esses competidores derrotados.

Refletindo a partir das imagens desse processo, concluo que somos um povo infantil. Não permitimos falhas àqueles que, como chefes da nação, representam, simbolicamente, o Pai e a Mãe. Ao elegê-los, pretendemos que sejam onipresentes, oniscientes e sempre fortes, sem falhas que nos envergonhem.

Isso tudo acontece porque somos desenraizados. Herdeiros de uma sociedade que permitiu o massacre de nossos ancestrais, que continua perpetuando a escravidão de nossos semelhantes, não temos um passado de que nos orgulhar e, portanto, não zelamos pela Vida, de forma a vir a  ter um futuro.

Assim, parte de nós não reagiu suficientemente ao complô urdido para tirar Dilma do governo, enquanto outra parte se aliou aos mortos-vivos, quando essa quadrilha que está aí, composta de zumbis, tomou o poder com a intenção deliberada de destruir a nação.

Semelhantes a herdeiros incapazes, assistimos e/ou contribuímos para a dilapidação do patrimônio, com um ressentimento próprio de quem tem a inveja constitucional, de que tão bem tratou Melanie Klein – a inveja da potência do seio materno – as riquezas da terra.

Se não fôssemos crianças vorazes, teríamos resistido aos usurpadores e, como adolescentes saudáveis, nos disporíamos a participar da reorganização da casa, que bem precisava ser feita, é verdade. Sem destituir aquela que havia sido eleita, sem imputar-lhe crimes que ela não cometeu, para justificar nossa ganância, nossa pressa, nossa ingratidão.

Dilma carregava, ainda mais, a pecha de ser representante daqueles que se rebelaram contra o golpe militar. E nenhum de nós quer lembrar que ficamos subjugados por mais de 30 anos, porque permitimos que aquele golpe fosse realizado.

Sim, somos um povo irresponsável. Como crianças abusadas, seguimos contabilizando mazelas e seguindo modelos ilusórios. Qualquer Capitão Gancho ganha nossa admiração, porque nos sentimos órfãos e não queremos crescer.

E aí estamos. Há quem acredite que teremos eleições. Há quem comece (tardiamente, a 4 meses do período previsto para o pleito, com uma Copa do Mundo no meio) a tentar se convencer de que há candidatos possíveis.

Na verdade, neste exato momento, vivemos mais uma das centenas de encenações em que temos estado envolvidos há pelo menos 3 ou 4 anos. Armam-se situações, cada vez mais aterradoras, para destruir mais e mais nossa autoestima, já em frangalhos.

Tendo nos tornado um país de delações premiadas, de prisões arbitrárias ou encenadas e de habeas-corpus sem fundamentos legais, de proteções e perseguições injustificadas, vimos abandonando dia a dia nosso compromisso com a ética e com os valores fundamentais das verdadeiras relações humanas.

Hoje brada-se, a toda hora, o nome de Deus, evoca-se a instituição família e se declara fidelidade às leis, sem pudor e sem compromisso com a verdade.

Sim, tornamo-nos um país triste, um país em que parte da população é psicótica ou psicopática e outra parte está deprimida. O cenário ideal para a instauração de um sistema totalitário.

Quando acabou o filme, saí muito envergonhada, sentindo-me impotente, como impotentes estiveram os que acompanharam e defenderam Dilma Roussef. Senti muita vergonha de fazer parte de um povo tão infantil, frágil, despreparado. Como se não bastasse a dor de reconhecer o golpe que destituiu uma Presidenta democraticamente eleita, eu percebi que ele me atingira pessoalmente, ao me fazer reconhecer que distância absurda existe entre os valores que defendo e a postura de familiares, amigos e colegas meus, que eu supunha meus pares.

Há quem me aconselhe a não misturar as coisas. Podemos conviver socialmente e manter a amizade, independentemente da posição política que defendemos, eles dizem. Mas isso só é possível, quando os posicionamentos políticos se apoiam em valores éticos, que supõem um arcabouço moral, diferente do simulacro moralista e espetaculoso, que cercou os acontecimentos do impeachment e que dão suporte à Operação Lava Jato.

Serão necessários dezenas de anos para que o Brasil possa se recuperar. Já não estarei aqui para testemunhar, se isso vier a acontecer.  Felizmente a Vida continua e mesmo que, para cada dez passos à frente, seja necessário computar três ou quatro pra trás, a humanidade segue seu rumo. Só o que podemos, se temos alguma consciência é fazer, da melhor forma possível, a nossa parte. 




Fui assistir ao filme “O Processo”.

Diferentemente de outras vezes, não vou, aqui, elaborar uma crítica cinematográfica, nem mesmo analisar os conteúdos do filme, que, geralmente em grande parte implícitos,  ali ressaltam explicitamente. Cada close é uma revelação, para quem sabe e quer enxergar.

Tanto tempo sem escrever, no entanto, volto ao blog para, aproveitando as emoções que brotaram em mim, enquanto assistia e relembrava aqueles momentos históricos,  compartilhar e refletir sobre nosso país e nosso povo.

Chamo de povo a todos. Mesmo àqueles com quem não me identifico nada. Mesmo àqueles que têm horror de pertencer a esse grupo. Somos, todos nós, o povo desse país.

Não votei na Dilma, já declarei inúmeras vezes. Nunca fui filiada a nenhum partido político, nem pretendo ser. No entanto, tendo passado anos sem votar, quando voltei a fazê-lo foi para votar no Lula. Vê-lo eleito Presidente encheu minha alma de alegria e esperança de ver nascer um país mais justo!

No dia de sua posse, lembro-me bem, enquanto assistia à cerimônia e às comemorações, fui reorganizando minha papelada, livrando-me de velhas agendas, atualizando minhas anotações e contas, como se, também eu, fosse começar um novo governo em minha própria vida.

E nunca me arrependi de ter votada em Lula, nas duas ocasiões em que se elegeu. Mesmo tendo me decepcionado com atitudes suas, distantes de minhas expectativas, aprendi, pouco a pouco a perceber que, além de ser grande líder, um grande articulador, uma criatura especialmente brilhante, ele era, antes de tudo, um ser humano e, como tal, falível.

Segui acompanhando o que aconteceu em seu primeiro governo, contabilizei erros e acertos, percebendo o imenso avanço social que o país alcançou. Para mim essa era a meta mais importante. E ia sendo conquistada. Valeu, portanto!

Nunca me interessei em saber se Lula bebia cachaça ou champanhe. Sim, preocupei-me com sua saúde, desde que, às vésperas da eleição, ele andava rodava o país, comendo amendoins nas viagens aéreas, e virando noites, em fim de campanha. Torci muito para que dona Marisa cumprisse sua promessa de regular o cardápio e os hábitos alimentares do marido. Por ele, sim, mas principalmente pela missão gigantesca que ele abraçara, ao conquistar a Presidência do Brasil.

Jamais me ocupei em saber se a Primeira Dama era elegante ou não. Se fez plástica, se falava ou não falava vários idiomas. Tivéramos Primeiras Damas elegantes e letradas, que nem por isso se saíram tão bem na difícil função que ocuparam, por dever.

Olhando pra trás, lembrava-me de um certo presidente atlético, louro e de família de classe alta, que defendia o combate à corrupção e que, uma vez empossado, deu a volta no país, meteu-se em escândalos que envolveram crimes insolúveis e destruiu nossa imagem no exterior.

Lula, ao contrário, mesmo nunca tendo feito um curso universitário, foi reconhecido pela comunidade acadêmica internacional, recebendo títulos de doutor, por seu trabalho em prol dos mais pobres, por sua  luta incansável contra a miséria e por ter conseguido equiparar o Brasil aos países “fortes” economicamente.

Não tenho dúvida de que se Lula não conseguiu manter o apoio dos grupos mais poderosos, não foi pelos erros que cometeu. Foi por aquilo que deu certo. E, é importante ressaltar,  temos uma sociedade escravagista que, aparentemente generosa, é até capaz de investir no filho do escravo, desde que ele não queira se igualar ao sinhozinho e continue a servi-lo pelo resto da vida, de preferência sem se queixar.

Lula foi a Geni da música do Chico. Serviu enquanto precisavam dele como símbolo. Depois passou a ser apedrejado, impiedosamente.

A elite pensava que acabaria com a festa de operários no poder ao cabo de 4 anos, mas Lula se reelegeu e, mais ainda, findo seu segundo mandato, conseguiu a façanha de fazer a primeira presidenta desse país. Dilma se elegeu, carregada por ele, ninguém tem dúvida, mas, com seu estilo próprio, com outras qualidades e defeitos diferentes, conseguiu chegar ao final do primeiro mandato.

Isso, para os poderosos, tornou-se quase insultante. Uma mulher que nunca fez questão de parecer simpática, que não representou,  em nenhum momento, o papel da mulherzinha, nem mesmo quando ficou gravemente doente, passou a ser vista como um escárnio, por aqueles que tentaram competir com ela na campanha pelo segundo mandato e pelo os que apoiaram esses competidores derrotados.

Refletindo a partir das imagens desse processo, concluo que somos um povo infantil. Não permitimos falhas àqueles que, como chefes da nação, representam, simbolicamente, o Pai e a Mãe. Ao elegê-los, pretendemos que sejam onipresentes, oniscientes e sempre fortes, sem falhas que nos envergonhem.

Isso tudo acontece porque somos desenraizados. Herdeiros de uma sociedade que permitiu o massacre de nossos ancestrais, que continua perpetuando a escravidão de nossos semelhantes, não temos um passado de que nos orgulhar e, portanto, não zelamos pela Vida, de forma a vir a  ter um futuro.

Assim, parte de nós não reagiu suficientemente ao complô urdido para tirar Dilma do governo, enquanto outra parte se aliou aos mortos-vivos, quando essa quadrilha que está aí, composta de zumbis, tomou o poder com a intenção deliberada de destruir a nação.

Semelhantes a herdeiros incapazes, assistimos e/ou contribuímos para a dilapidação do patrimônio, com um ressentimento próprio de quem tem a inveja constitucional, de que tão bem tratou Melanie Klein – a inveja da potência do seio materno – as riquezas da terra.

Se não fôssemos crianças vorazes, teríamos resistido aos usurpadores e, como adolescentes saudáveis, nos disporíamos a participar da reorganização da casa, que bem precisava ser feita, é verdade. Sem destituir aquela que havia sido eleita, sem imputar-lhe crimes que ela não cometeu, para justificar nossa ganância, nossa pressa, nossa ingratidão.

Dilma carregava, ainda mais, a pecha de ser representante daqueles que se rebelaram contra o golpe militar. E nenhum de nós quer lembrar que ficamos subjugados por mais de 30 anos, porque permitimos que aquele golpe fosse realizado.

Sim, somos um povo irresponsável. Como crianças abusadas, seguimos contabilizando mazelas e seguindo modelos ilusórios. Qualquer Capitão Gancho ganha nossa admiração, porque nos sentimos órfãos e não queremos crescer.

E aí estamos. Há quem acredite que teremos eleições. Há quem comece (tardiamente, a 4 meses do período previsto para o pleito, com uma Copa do Mundo no meio) a tentar se convencer de que há candidatos possíveis.

Na verdade, neste exato momento, vivemos mais uma das centenas de encenações em que temos estado envolvidos há pelo menos 3 ou 4 anos. Armam-se situações, cada vez mais aterradoras, para destruir mais e mais nossa autoestima, já em frangalhos.

Tendo nos tornado um país de delações premiadas, de prisões arbitrárias ou encenadas e de habeas-corpus sem fundamentos legais, de proteções e perseguições injustificadas, vimos abandonando dia a dia nosso compromisso com a ética e com os valores fundamentais das verdadeiras relações humanas.

Hoje brada-se, a toda hora, o nome de Deus, evoca-se a instituição família e se declara fidelidade às leis, sem pudor e sem compromisso com a verdade.

Sim, tornamo-nos um país triste, um país em que parte da população é psicótica ou psicopática e outra parte está deprimida. O cenário ideal para a instauração de um sistema totalitário.

Quando acabou o filme, saí muito envergonhada, sentindo-me impotente, como impotentes estiveram os que acompanharam e defenderam Dilma Roussef. Senti muita vergonha de fazer parte de um povo tão infantil, frágil, despreparado. Como se não bastasse a dor de reconhecer o golpe que destituiu uma Presidenta democraticamente eleita, eu percebi que ele me atingira pessoalmente, ao me fazer reconhecer que distância absurda existe entre os valores que defendo e a postura de familiares, amigos e colegas meus, que eu supunha meus pares.

Há quem me aconselhe a não misturar as coisas. Podemos conviver socialmente e manter a amizade, independentemente da posição política que defendemos, eles dizem. Mas isso só é possível, quando os posicionamentos políticos se apoiam em valores éticos, que supõem um arcabouço moral, diferente do simulacro moralista e espetaculoso, que cercou os acontecimentos do impeachment e que dão suporte à Operação Lava Jato.

Serão necessários dezenas de anos para que o Brasil possa se recuperar. Já não estarei aqui para testemunhar, se isso vier a acontecer.  Felizmente a Vida continua e mesmo que, para cada dez passos à frente, seja necessário computar três ou quatro pra trás, a humanidade segue seu rumo. Só o que podemos, se temos alguma consciência é fazer, da melhor forma possível, a nossa parte. 




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