Minha parte
Fui
assistir ao filme “O Processo”.
Diferentemente
de outras vezes, não vou, aqui, elaborar uma crítica cinematográfica, nem mesmo
analisar os conteúdos do filme, que, geralmente em grande parte implícitos, ali ressaltam explicitamente. Cada close é uma
revelação, para quem sabe e quer enxergar.
Tanto
tempo sem escrever, no entanto, volto ao blog para, aproveitando as emoções que
brotaram em mim, enquanto assistia e relembrava aqueles momentos
históricos, compartilhar e refletir
sobre nosso país e nosso povo.
Chamo
de povo a todos. Mesmo àqueles com quem não me identifico nada. Mesmo àqueles
que têm horror de pertencer a esse grupo. Somos, todos nós, o povo desse país.
Não
votei na Dilma, já declarei inúmeras vezes. Nunca fui filiada a nenhum partido
político, nem pretendo ser. No entanto, tendo passado anos sem votar, quando
voltei a fazê-lo foi para votar no Lula. Vê-lo eleito Presidente encheu minha
alma de alegria e esperança de ver nascer um país mais justo!
No dia de sua posse, lembro-me bem, enquanto assistia à cerimônia e às
comemorações, fui reorganizando minha papelada, livrando-me de velhas agendas,
atualizando minhas anotações e contas, como se, também eu, fosse começar um
novo governo em minha própria vida.
E
nunca me arrependi de ter votada em Lula, nas duas ocasiões em que se elegeu.
Mesmo tendo me decepcionado com atitudes suas, distantes de minhas
expectativas, aprendi, pouco a pouco a perceber que, além de ser grande líder,
um grande articulador, uma criatura especialmente brilhante, ele era, antes de
tudo, um ser humano e, como tal, falível.
Segui
acompanhando o que aconteceu em seu primeiro governo, contabilizei erros e
acertos, percebendo o imenso avanço social que o país alcançou. Para mim essa
era a meta mais importante. E ia sendo conquistada. Valeu, portanto!
Nunca
me interessei em saber se Lula bebia cachaça ou champanhe. Sim, preocupei-me
com sua saúde, desde que, às vésperas da eleição, ele andava rodava o país, comendo
amendoins nas viagens aéreas, e virando noites, em fim de campanha. Torci muito
para que dona Marisa cumprisse sua promessa de regular o cardápio e os hábitos
alimentares do marido. Por ele, sim, mas principalmente pela missão gigantesca
que ele abraçara, ao conquistar a Presidência do Brasil.
Jamais
me ocupei em saber se a Primeira Dama era elegante ou não. Se fez plástica, se
falava ou não falava vários idiomas. Tivéramos Primeiras Damas elegantes e
letradas, que nem por isso se saíram tão bem na difícil função que ocuparam,
por dever.
Olhando
pra trás, lembrava-me de um certo presidente atlético, louro e de família de
classe alta, que defendia o combate à corrupção e que, uma vez empossado, deu a
volta no país, meteu-se em escândalos que envolveram crimes insolúveis e
destruiu nossa imagem no exterior.
Lula,
ao contrário, mesmo nunca tendo feito um curso universitário, foi reconhecido pela
comunidade acadêmica internacional, recebendo títulos de doutor, por seu
trabalho em prol dos mais pobres, por sua luta incansável contra a miséria e por ter conseguido
equiparar o Brasil aos países “fortes” economicamente.
Não
tenho dúvida de que se Lula não conseguiu manter o apoio dos grupos mais
poderosos, não foi pelos erros que cometeu. Foi por aquilo que deu certo. E, é
importante ressaltar, temos uma
sociedade escravagista que, aparentemente generosa, é até capaz de investir no
filho do escravo, desde que ele não queira se igualar ao sinhozinho e continue
a servi-lo pelo resto da vida, de preferência sem se queixar.
Lula
foi a Geni da música do Chico. Serviu enquanto precisavam dele como símbolo.
Depois passou a ser apedrejado, impiedosamente.
A
elite pensava que acabaria com a festa de operários no poder ao cabo de 4 anos,
mas Lula se reelegeu e, mais ainda, findo seu segundo mandato, conseguiu a
façanha de fazer a primeira presidenta desse país. Dilma se elegeu, carregada por
ele, ninguém tem dúvida, mas, com seu estilo próprio, com outras qualidades e
defeitos diferentes, conseguiu chegar ao final do primeiro mandato.
Isso,
para os poderosos, tornou-se quase insultante. Uma mulher que nunca fez questão
de parecer simpática, que não representou, em nenhum momento, o papel da mulherzinha, nem
mesmo quando ficou gravemente doente, passou a ser vista como um escárnio, por
aqueles que tentaram competir com ela na campanha pelo segundo mandato e pelo
os que apoiaram esses competidores derrotados.
Refletindo
a partir das imagens desse processo, concluo que somos um povo infantil. Não
permitimos falhas àqueles que, como chefes da nação, representam,
simbolicamente, o Pai e a Mãe. Ao elegê-los, pretendemos que sejam
onipresentes, oniscientes e sempre fortes, sem falhas que nos envergonhem.
Isso
tudo acontece porque somos desenraizados. Herdeiros de uma sociedade que
permitiu o massacre de nossos ancestrais, que continua perpetuando a escravidão
de nossos semelhantes, não temos um passado de que nos orgulhar e, portanto,
não zelamos pela Vida, de forma a vir a ter um futuro.
Assim,
parte de nós não reagiu suficientemente ao complô urdido para tirar Dilma do governo,
enquanto outra parte se aliou aos mortos-vivos, quando essa quadrilha que está
aí, composta de zumbis, tomou o poder com a intenção deliberada de destruir a
nação.
Semelhantes
a herdeiros incapazes, assistimos e/ou contribuímos para a dilapidação do
patrimônio, com um ressentimento próprio de quem tem a inveja constitucional,
de que tão bem tratou Melanie Klein – a inveja da potência do seio materno – as
riquezas da terra.
Se
não fôssemos crianças vorazes, teríamos resistido aos usurpadores e, como
adolescentes saudáveis, nos disporíamos a participar da reorganização da casa,
que bem precisava ser feita, é verdade. Sem destituir aquela que havia sido
eleita, sem imputar-lhe crimes que ela não cometeu, para justificar nossa
ganância, nossa pressa, nossa ingratidão.
Dilma
carregava, ainda mais, a pecha de ser representante daqueles que se rebelaram
contra o golpe militar. E nenhum de nós quer lembrar que ficamos subjugados por
mais de 30 anos, porque permitimos que aquele golpe fosse realizado.
Sim,
somos um povo irresponsável. Como crianças abusadas, seguimos contabilizando
mazelas e seguindo modelos ilusórios. Qualquer Capitão Gancho ganha nossa
admiração, porque nos sentimos órfãos e não queremos crescer.
E
aí estamos. Há quem acredite que teremos eleições. Há quem comece (tardiamente,
a 4 meses do período previsto para o pleito, com uma Copa do Mundo no meio) a
tentar se convencer de que há candidatos possíveis.
Na
verdade, neste exato momento, vivemos mais uma das centenas de encenações em
que temos estado envolvidos há pelo menos 3 ou 4 anos. Armam-se situações, cada
vez mais aterradoras, para destruir mais e mais nossa autoestima, já em
frangalhos.
Tendo
nos tornado um país de delações premiadas, de prisões arbitrárias ou encenadas
e de habeas-corpus sem fundamentos legais, de proteções e perseguições injustificadas,
vimos abandonando dia a dia nosso compromisso com a ética e com os valores
fundamentais das verdadeiras relações humanas.
Hoje
brada-se, a toda hora, o nome de Deus, evoca-se a instituição família e se
declara fidelidade às leis, sem pudor e sem compromisso com a verdade.
Sim,
tornamo-nos um país triste, um país em que parte da população é psicótica ou psicopática
e outra parte está deprimida. O cenário ideal para a instauração de um sistema
totalitário.
Quando
acabou o filme, saí muito envergonhada, sentindo-me impotente, como impotentes
estiveram os que acompanharam e defenderam Dilma Roussef. Senti muita vergonha
de fazer parte de um povo tão infantil, frágil, despreparado. Como se não
bastasse a dor de reconhecer o golpe que destituiu uma Presidenta
democraticamente eleita, eu percebi que ele me atingira pessoalmente, ao me fazer
reconhecer que distância absurda existe entre os valores que defendo e a
postura de familiares, amigos e colegas meus, que eu supunha meus pares.
Há
quem me aconselhe a não misturar as coisas. Podemos conviver socialmente e
manter a amizade, independentemente da posição política que defendemos, eles
dizem. Mas isso só é possível, quando os posicionamentos políticos se apoiam em
valores éticos, que supõem um arcabouço moral, diferente do simulacro moralista
e espetaculoso, que cercou os acontecimentos do impeachment e que dão suporte à
Operação Lava Jato.
Serão
necessários dezenas de anos para que o Brasil possa se recuperar. Já não
estarei aqui para testemunhar, se isso vier a acontecer. Felizmente a Vida continua e mesmo que, para
cada dez passos à frente, seja necessário computar três ou quatro pra trás, a
humanidade segue seu rumo. Só o que podemos, se temos alguma consciência é
fazer, da melhor forma possível, a nossa parte.
Fui assistir ao filme “O Processo”.
Diferentemente
de outras vezes, não vou, aqui, elaborar uma crítica cinematográfica, nem mesmo
analisar os conteúdos do filme, que, geralmente em grande parte implícitos, ali ressaltam explicitamente. Cada close é uma
revelação, para quem sabe e quer enxergar.
Tanto
tempo sem escrever, no entanto, volto ao blog para, aproveitando as emoções que
brotaram em mim, enquanto assistia e relembrava aqueles momentos
históricos, compartilhar e refletir
sobre nosso país e nosso povo.
Chamo
de povo a todos. Mesmo àqueles com quem não me identifico nada. Mesmo àqueles
que têm horror de pertencer a esse grupo. Somos, todos nós, o povo desse país.
Não
votei na Dilma, já declarei inúmeras vezes. Nunca fui filiada a nenhum partido
político, nem pretendo ser. No entanto, tendo passado anos sem votar, quando
voltei a fazê-lo foi para votar no Lula. Vê-lo eleito Presidente encheu minha
alma de alegria e esperança de ver nascer um país mais justo!
No dia de sua posse, lembro-me bem, enquanto assistia à cerimônia e às
comemorações, fui reorganizando minha papelada, livrando-me de velhas agendas,
atualizando minhas anotações e contas, como se, também eu, fosse começar um
novo governo em minha própria vida.
E
nunca me arrependi de ter votada em Lula, nas duas ocasiões em que se elegeu.
Mesmo tendo me decepcionado com atitudes suas, distantes de minhas
expectativas, aprendi, pouco a pouco a perceber que, além de ser grande líder,
um grande articulador, uma criatura especialmente brilhante, ele era, antes de
tudo, um ser humano e, como tal, falível.
Segui
acompanhando o que aconteceu em seu primeiro governo, contabilizei erros e
acertos, percebendo o imenso avanço social que o país alcançou. Para mim essa
era a meta mais importante. E ia sendo conquistada. Valeu, portanto!
Nunca
me interessei em saber se Lula bebia cachaça ou champanhe. Sim, preocupei-me
com sua saúde, desde que, às vésperas da eleição, ele andava rodava o país, comendo
amendoins nas viagens aéreas, e virando noites, em fim de campanha. Torci muito
para que dona Marisa cumprisse sua promessa de regular o cardápio e os hábitos
alimentares do marido. Por ele, sim, mas principalmente pela missão gigantesca
que ele abraçara, ao conquistar a Presidência do Brasil.
Jamais
me ocupei em saber se a Primeira Dama era elegante ou não. Se fez plástica, se
falava ou não falava vários idiomas. Tivéramos Primeiras Damas elegantes e
letradas, que nem por isso se saíram tão bem na difícil função que ocuparam,
por dever.
Olhando
pra trás, lembrava-me de um certo presidente atlético, louro e de família de
classe alta, que defendia o combate à corrupção e que, uma vez empossado, deu a
volta no país, meteu-se em escândalos que envolveram crimes insolúveis e
destruiu nossa imagem no exterior.
Lula,
ao contrário, mesmo nunca tendo feito um curso universitário, foi reconhecido pela
comunidade acadêmica internacional, recebendo títulos de doutor, por seu
trabalho em prol dos mais pobres, por sua luta incansável contra a miséria e por ter conseguido
equiparar o Brasil aos países “fortes” economicamente.
Não
tenho dúvida de que se Lula não conseguiu manter o apoio dos grupos mais
poderosos, não foi pelos erros que cometeu. Foi por aquilo que deu certo. E, é
importante ressaltar, temos uma
sociedade escravagista que, aparentemente generosa, é até capaz de investir no
filho do escravo, desde que ele não queira se igualar ao sinhozinho e continue
a servi-lo pelo resto da vida, de preferência sem se queixar.
Lula
foi a Geni da música do Chico. Serviu enquanto precisavam dele como símbolo.
Depois passou a ser apedrejado, impiedosamente.
A
elite pensava que acabaria com a festa de operários no poder ao cabo de 4 anos,
mas Lula se reelegeu e, mais ainda, findo seu segundo mandato, conseguiu a
façanha de fazer a primeira presidenta desse país. Dilma se elegeu, carregada por
ele, ninguém tem dúvida, mas, com seu estilo próprio, com outras qualidades e
defeitos diferentes, conseguiu chegar ao final do primeiro mandato.
Isso,
para os poderosos, tornou-se quase insultante. Uma mulher que nunca fez questão
de parecer simpática, que não representou, em nenhum momento, o papel da mulherzinha, nem
mesmo quando ficou gravemente doente, passou a ser vista como um escárnio, por
aqueles que tentaram competir com ela na campanha pelo segundo mandato e pelo
os que apoiaram esses competidores derrotados.
Refletindo
a partir das imagens desse processo, concluo que somos um povo infantil. Não
permitimos falhas àqueles que, como chefes da nação, representam,
simbolicamente, o Pai e a Mãe. Ao elegê-los, pretendemos que sejam
onipresentes, oniscientes e sempre fortes, sem falhas que nos envergonhem.
Isso
tudo acontece porque somos desenraizados. Herdeiros de uma sociedade que
permitiu o massacre de nossos ancestrais, que continua perpetuando a escravidão
de nossos semelhantes, não temos um passado de que nos orgulhar e, portanto,
não zelamos pela Vida, de forma a vir a ter um futuro.
Assim,
parte de nós não reagiu suficientemente ao complô urdido para tirar Dilma do governo,
enquanto outra parte se aliou aos mortos-vivos, quando essa quadrilha que está
aí, composta de zumbis, tomou o poder com a intenção deliberada de destruir a
nação.
Semelhantes
a herdeiros incapazes, assistimos e/ou contribuímos para a dilapidação do
patrimônio, com um ressentimento próprio de quem tem a inveja constitucional,
de que tão bem tratou Melanie Klein – a inveja da potência do seio materno – as
riquezas da terra.
Se
não fôssemos crianças vorazes, teríamos resistido aos usurpadores e, como
adolescentes saudáveis, nos disporíamos a participar da reorganização da casa,
que bem precisava ser feita, é verdade. Sem destituir aquela que havia sido
eleita, sem imputar-lhe crimes que ela não cometeu, para justificar nossa
ganância, nossa pressa, nossa ingratidão.
Dilma
carregava, ainda mais, a pecha de ser representante daqueles que se rebelaram
contra o golpe militar. E nenhum de nós quer lembrar que ficamos subjugados por
mais de 30 anos, porque permitimos que aquele golpe fosse realizado.
Sim,
somos um povo irresponsável. Como crianças abusadas, seguimos contabilizando
mazelas e seguindo modelos ilusórios. Qualquer Capitão Gancho ganha nossa
admiração, porque nos sentimos órfãos e não queremos crescer.
E
aí estamos. Há quem acredite que teremos eleições. Há quem comece (tardiamente,
a 4 meses do período previsto para o pleito, com uma Copa do Mundo no meio) a
tentar se convencer de que há candidatos possíveis.
Na
verdade, neste exato momento, vivemos mais uma das centenas de encenações em
que temos estado envolvidos há pelo menos 3 ou 4 anos. Armam-se situações, cada
vez mais aterradoras, para destruir mais e mais nossa autoestima, já em
frangalhos.
Tendo
nos tornado um país de delações premiadas, de prisões arbitrárias ou encenadas
e de habeas-corpus sem fundamentos legais, de proteções e perseguições injustificadas,
vimos abandonando dia a dia nosso compromisso com a ética e com os valores
fundamentais das verdadeiras relações humanas.
Hoje
brada-se, a toda hora, o nome de Deus, evoca-se a instituição família e se
declara fidelidade às leis, sem pudor e sem compromisso com a verdade.
Sim,
tornamo-nos um país triste, um país em que parte da população é psicótica ou psicopática
e outra parte está deprimida. O cenário ideal para a instauração de um sistema
totalitário.
Quando
acabou o filme, saí muito envergonhada, sentindo-me impotente, como impotentes
estiveram os que acompanharam e defenderam Dilma Roussef. Senti muita vergonha
de fazer parte de um povo tão infantil, frágil, despreparado. Como se não
bastasse a dor de reconhecer o golpe que destituiu uma Presidenta
democraticamente eleita, eu percebi que ele me atingira pessoalmente, ao me fazer
reconhecer que distância absurda existe entre os valores que defendo e a
postura de familiares, amigos e colegas meus, que eu supunha meus pares.
Há
quem me aconselhe a não misturar as coisas. Podemos conviver socialmente e
manter a amizade, independentemente da posição política que defendemos, eles
dizem. Mas isso só é possível, quando os posicionamentos políticos se apoiam em
valores éticos, que supõem um arcabouço moral, diferente do simulacro moralista
e espetaculoso, que cercou os acontecimentos do impeachment e que dão suporte à
Operação Lava Jato.
Serão
necessários dezenas de anos para que o Brasil possa se recuperar. Já não
estarei aqui para testemunhar, se isso vier a acontecer. Felizmente a Vida continua e mesmo que, para
cada dez passos à frente, seja necessário computar três ou quatro pra trás, a
humanidade segue seu rumo. Só o que podemos, se temos alguma consciência é
fazer, da melhor forma possível, a nossa parte.